Minha professora é a mulher mais bonita que eu já vi. Até então, mamãe e uma moça que vi na praia uma vez ocupavam esse espaço. Mas minha professora é diferente, ela parece com as mulheres que eu vejo na televisão em casa, nos filmes. Eu olho seu corpo e tudo que eu queria era ser um pouco parecida. Seu cabelo cheio, brilhante e cheiroso, lindo todos os dias, parece com o das minhas bonecas. Ela sorri todo dia quando eu chego na escola e eu sei que vou ter um dia legal.
Mamãe é ótima e muito bonita, mas minha professora tem uma magia que faz com que eu pense que talvez ela seja uma princesa. Mamãe não é da realeza, mas me dá muito colo e carinho, o que eu gosto também. Minha professora tem um toque gentil, ela usa bastante essa palavra, gentil. Ela é muito inteligente e conta coisas sobre museus, vulcão, árvores, animais. Eu pergunto várias coisas para ela e ela sabe responder todas elas.
Tudo que eu quero é ser minha professora. Eu quero estar o mais próxima dela, o tempo todo. Faço questão de tocar nela sempre que estou perto, talvez assim um pouco da magia dela passe para mim. Toco seu cabelo para que o meu cabelo encaracolado – a minha professora falou que meu cabelo é encaracolado e não cacheado, como mamãe fala –, fique liso como o dela. Preciso estar perto dela, o mais próximo possível. Quando chamo ela para ela me ajudar e ela senta na minha frente, fico triste. Peço para ela que sente do meu lado, porque na minha frente ela está longe e eu quero ela bem pertinho. Quando fazemos uma roda, vou correndo para ficar no seu lado, seguro sua mão quentinha, diferente de mamãe que tem uma mão gelada. Aperto bem forte, para que ela não saia dali. Quando conseguem ir mais rápido do que eu e não consigo segurar nenhuma de suas mãos, uma tristeza grande toma conta de mim. A única maneira de ir embora é quando ela percebe que eu fiquei mal e fala que no dia seguinte fará questão que eu segure a sua mão.
O problema é que na minha turma tem algumas crianças que fazem coisas não tão legais. Essas crianças batem nos outros, já bateram até em mim. Elas correm muito pela sala e jogam coisas no chão bastante. Por causa delas, os professores ficam muito tempo resolvendo essas situações, incluindo a minha professora. Quantas vezes eu já pedi para a minha professora para que ela sentasse do meu lado só para me fazer um pouco de companhia, mas ela dizia que estava ocupada, que agora não podia, e ia fazer atividade com uma dessas crianças levadas? Eu não aguentava, eu queria a minha professora para mim. Não é justo que essas crianças tenham mais tempo com minha professora do que eu. Eu não corro pela sala, não xingo ninguém, não bato nos colegas e não bato na minha professora. Não, eu nunca faria isso. Várias vezes, durante a roda, enquanto eu estava feliz e segura em seu colo, ela pediu para que eu me levantasse e pegou outra criança, que estava correndo com uma vassoura na mão, para ficar ali no meu lugar. Nesses momentos não fiquei triste. Não, não. Fiquei brava. Precisei respirar fundo, como mamãe fala que tenho que fazer quando estou irritada.
O problema hoje foi que minha professora estava do meu lado, desenhando junto comigo. Como ela desenha bem! Eu estava recortando um cachorrinho que eu tinha feito para dar para ela de presente. Foi quando uma dessas crianças malvadas começou a correr pela sala, segurando uma cadeira e esbarrando em todo mundo de propósito! Duas amigas minhas já estavam chorando. Minha professora carregou essa criança e tirou ela de sala, me deixando apenas com o outro professor, que, bom, não ficou desenhando comigo. E mesmo que ficasse! Não era a minha professora. Fiquei sem minha professora até o final do dia, porque ela ficou conversando com a outra criança todo esse tempo. Ela nunca conversou por tanto tempo assim comigo. Eu queria ficar fora de sala conversando com ela, tendo esse momento único só nós duas, sem ninguém atrapalhar. Não era justo que uma criança que nem gosta tanto da minha professora tenha tido essa oportunidade e eu não.
A cada minuto que passava eu ficava mais irritada e respirar fundo não estava ajudando. Eu queria minha professora de volta, sentada co-mi-go, desenhando co-mi-go, conversando co-mi-go. Eu estou cansada de tirarem ela de mim toda hora. Eu continuei cortando o cachorrinho e fiz alguns outros para ela também, para ter uma ideia de quanto tempo minha professora ficou fora. Mas o corte estava meio tremido de tão nervosa que eu estava. Eu perguntei várias vezes pro professor quando ela voltava e ele só respondia que não sabia, dependia da outra criança. Se eu tivesse perguntado para a minha professora, ela saberia responder os exatos minutos, porque ela sabia de tudo! Aquele professor era um fajutinho. Nada se comparava à ela. Por que que ele não foi com a outra criança conversar? Por que tiraram ela de mim?
Quando minha professora voltou, fui correndo estar perto dela, mas ela só falou que não tinha cabeça para continuar desenhando e precisava ficar em pé cuidando da sala. Fiquei maluca. Tudo culpa daquela criança ridícula. Não teve respiração de mamãe que me ajudasse. Comecei a gritar, mesmo. Saí correndo com a tesoura que recortei os cachorrinhos e enfiei no braço da criança que tirou minha professora do meu lado. Pelo menos agora ela não conseguiria mais fazer travessuras e tirar minha professora de mim.
Em resumo: todas as crianças são malvadinhas.